A Rainha do Céu


A ciência da astronomia deve sua origem aos observadores do céu e adivinhos na Mesopotâmia antiga e, portanto, a prática de observar os respectivos planetas teve uma longa história naquela região. O que, então, sabemos sobre as tradições mitológicas em torno de Vênus e Marte no antigo Oriente Próximo?

A veneração do planeta Vênus sob o disfarce da deusa Inanna é onipresente nos primeiros templos já escavados na Mesopotâmia. Em Uruk, o sítio urbano mais antigo em todo o Oriente Próximo, as oferendas a Inanna/Vênus superam em muito as de qualquer outra divindade.

 Em estratos convencionalmente datados de 3000 AC (Uruk IV-III), Inanna já está associada a vários símbolos que se tornariam conspícuos em seu culto posterior (a estrela de oito pontas e a roseta, por exemplo). O culto sumério de Inanna, ao ser assimilado ao da deusa semítica Ishtar, dominaria a paisagem religiosa da Mesopotâmia por mais de dois mil anos. Como nosso primeiro testemunho histórico documentando a adoração ao planeta Vênus, a literatura em torno de Inanna e Ishtar deve figurar com destaque em qualquer discussão sobre o mito astral. Os primeiros textos literários da Mesopotâmia datam do período da Antiga Babilônia (2000 - 1800 AC) . 

O corpus de hinos supostamente compostos pelo próprio Enheduanna, filha do próprio Sargão ( 2300 AC), é representativo deste período e gênero literário. O hino nin-me-ßar-ra, geralmente conhecido como "A Exaltação de Inanna", raramente menciona a deusa pelo nome; em vez disso, Inanna é invocada por meio de uma série de epítetos como "grande rainha das rainhas" ou "hieródulo de An". Como o planeta Vênus, Inanna é celebrada como "rainha sênior das fundações celestiais e do zênite".

O seguinte hino pertence a rainha do céu:


Hino a Inanna


I


Àquela que vem dos céus, àquela que vem dos céus,

eu quero dizer “salve”!

À hieródula que vem dos céus,

eu quero dizer “salve”!

À grande senhora dos éus, a Inanna,

eu quero dizer “salve”!


À tocha santa, que inflama os céus,

A Inanna, luz que brilha como o dia,

A Inanna, grande senhora do céu,

eu quero dizer “salve”!


À hieródula, temível senhora dos deuses Anunna,

Àquela na qual todos depositam sua confiança,

Àquela que abrasa céus e terra,

À filha primogênita da Lua, a Inanna,

eu quero dizer “salve”!


Por seu caráter augusto, por sua grandeza,

pela confiança que todos nela depositam,

Por sua vinda resplandecente à noite,

Pela tocha santa que inflama os céus,

Pelo lugar que ela ocupa nos céus,

igual à Lua e ao Sol,

Do País Baixo ao País Alto todos a conhecem;

À grandeza da hieródula do céu,

A Inanna

quero cantar!


II


Tal um dragão, atiraste (teu) veneno sobre a montanha!

Quando ruges contra a terra como o deus das tempestades,

o grão cessa de brotar!

Dilúvio descendo de sua montanha,

Tu és a primeira, a deusa do céu e da terra.

Fazes chover sobre os homens um fogo ardente;

Tu que o céu dotou.

Rainha que cavalgas um animal selvagem,

Tu, cujas ordens se inspiram nas ordens do Céu,

Quem pode saber o que é teu

entre todos os grandes Poderes?


III


Destruir e construir,

arrancar e instalar,

a ti pertencem, ó Inanna.


Fazer de um macho uma fêmea,

e de uma fêmea um macho

a ti pertencem, ó Inanna.


Atração e desejo carnal,

construir uma casa ou pafar seu aluguel,

a ti pertencem, ó Inanna.


Comércio e lucro,

prejuízos e falências,

a ti pertencem, ó Inanna.


Exame, instrução e reforma,

pesquisar e resolver

a ti pertencem, ó Inanna!


Procurar astúcia ou esperteza,

ocasião ou mercado regular

a ti pertencem, ó Inanna! 




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