O ESPELHO DE SÓCRATES







               O ESPELHO DE SÓCRATES

Esse é um texto ficcional entre o filósofo grego Sócrates e seu discípulo Aristodemo.
Seguiam Sócrates e Aristodemos pelo caminho que levava de Athenas a Delfos. Conversavam sobre uma variedade de assuntos até que Aristodemo levantou uma questão que merecia atenção especial, assim seguiu o diálogo:

Aristodemo: Sócrates, de onde vem o conhecimento, como podemos chegar a conhecer e nos tornarmos sábios?

Sócrates: Entenda que o conhecer não deve ser nada mais que um reflexo da realidade.
Eu, Sócrates, nada sei, pois o que penso saber não vem de mim.
O que sei sobre uma árvore, ou a respeito de um determinado ente, não pode ter nascido de mim, mas antes foi a própria árvore ou o próprio ente quem me ensinou ao se revelar, construindo assim tudo o que poderia “saber” a seu respeito.
A realidade carrega em si mesma a inteligência!

Aristodemo: tem razão, é o ente a manifestação da sabedoria, a partir dele ela se revela.
E como não estaremos sendo persuadidos a conhecermos a realidade com nossos próprios olhos de uma forma que ela de fato não é?

Sócrates: Quando nasce uma criança ela não tem “seus próprios olhos”, ou seja, ela está completamente livre de crenças e pré-conceitos.
A realidade além de ser a sabedoria é ainda nosso pedagogo, ela quem nos ensina, mas para isso é preciso ser filósofo, como um pequenino que contempla cada ente sem saber do que se trata estando completamente aberto e admirado como sujeito cognoscente.
O filósofo em essência é aquele que reflete a realidade exatamente como um espelho sem se deixar persuadir por crenças e pré-conceitos, ele diz aquilo que é, e o que é não vem dele e sim da realidade.
A partir de então aprendendo com um, e outro, e outro ente vai se apropriando da estrutura da realidade em consequência da sua sabedoria, assim ser sábio é um diálogo entre atividade e passividade.

Aristodemo: como pode ser passiva e ativa o ato de conhecer?
Sócrates: a entidade age de forma ativa revelando-se, realizando assim o movimento de quem se permite conhecer, por sua vez o filósofo é capaz de sentir ou sofrer o impacto direto dessa revelação da realidade sendo por ela tomado, dessa forma toma atitude passiva, ele é expectador enquanto a realidade é o próprio espetáculo.
O filósofo ainda é ativo no ato de olhar a partir do espanto e da dúvida procurando entender as coisas como elas são, nesse momento a realidade se coloca de forma passiva como quem é apreciada.

Aristodemo: por Zeus, me parece ser assim!
Diga-me Sócrates, e como pode então a verdade encarnar no filósofo estando no ente, dessa forma não poderia estar em dois lugares concomitantemente, e se é um reflexo não a é de fato.

Sócrates: Com toda certeza o que diz está correto, voltarei ao espelho para me fazer claro de uma vez por todas, espero que possa te demonstrar.
Se colocarmos um espelho a frente de uma árvore, esse ente terá sua imagem projetada sob o outro ente – espelho.
Veja bem, não deixe de entender que aquilo que está sendo refletido ali é uma representação do ente e que jamais um ente poderá se revelar como um todo.
Dessa forma o reflexo da realidade forma em nós uma representação conceitual, não podendo nos deixar cair no erro de que essa representação, essa imagem em forma de conceito criado a partir da observação da realidade, esse reflexo, jamais poderá se distanciar da realidade, estão ligados. Um espelho só reflete aquilo que está na sua frente, o que se distancia vagarosamente vai perdendo sua imagem e sendo esquecido, não existe conhecimento anterior a presença.
Não podemos mesmo conter o ente, o que reflete em nós é uma representação inseparável dele na qual sem ele não poderíamos jamais conhecer.

Aristodemo: certo estou de que é assim!
Minha implicação agora diz respeito a como se forma o conceito da representação se não podemos refletir o ente como um todo?

Sócrates: o que o ente nos mostra é o que ele tem para nos revelar, existe, porém outra questão:
Para que se possa enxergar a imagem do ente refletida no espelho, precisamos de mais um elemento que fara a ligação.
Esse elemento intermediário é a luz, veja bem!
Quanto maior for a luminosidade, mais clara será a imagem refletida no espelho, menor a luminosidade, menos clara a imagem, ausentando-se a luz, nada se enxerga.

Aristodemo: diga-me Sócrates do que se trata essa luz?

Sócrates: é o que direi agora!
A luz que faz a ligação entre a imagem que por nós foi refletida e o ente, não pode ser outra se não a linguagem.
Quanto maior for o domínio da linguagem, melhor será o conceito da realidade percebida e maior sua precisão de expressão. Menos domínio da linguagem, mais carente o conceito, nenhum domínio da linguagem, escuridão conceitual.
A própria linguagem é a primeira imagem refletida da cultura e de nossos amados em nós, pois ela reflete a língua que nos circunda e que carrega muito mais que signos podendo facilmente ser demonstrada na variedade de culturas acompanhadas da variedade de línguas.

De tudo o que dissemos sobre a sabedoria, digo que ela é apreensão da imagem mais exata possível da realidade que nos circunda e a capacidade de colocá-la em conceitos.
Para isso é preciso um bom posicionamento do espelho diante do ente e uma boa luminosidade para que se possa apreender o máximo de detalhes do que esse pode lhe apesentar.

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